Wise enfrenta resistência de acionistas à mudança de listagem para os EUA e à prorrogação do supervoto

A Wise, fintech britânica conhecida por oferecer transferências internacionais com tarifas reduzidas, precisará convencer acionistas reticentes antes da assembleia marcada para 28 de julho de 2025. Nessa data, os investidores decidirão se a companhia transferirá sua listagem primária da Bolsa de Londres para os Estados Unidos e, simultaneamente, se estenderá por dez anos o mecanismo de ações com poder de voto ampliado, atualmente controlado pelos fundadores.
Desde junho, quando o plano foi divulgado, parte do capital da empresa passou a manifestar objeções. O cofundador Taavet Hinrikus, que detém 5,1% do capital total, tornou-se o principal porta-voz da oposição. Por meio da Skaala Investments, veículo que concentra suas participações, ele argumenta que o pacote de propostas mescla duas questões distintas — a mudança geográfica da listagem e a manutenção do chamado “supervoto” — sem permitir que os acionistas decidam sobre cada tema separadamente.
A estrutura societária da Wise é dual class. As ações classe A conferem um voto por papel, enquanto os papéis classe B, restritos ao grupo fundador, trazem nove votos cada. Criado no momento do IPO, realizado em Londres em 2021 e que avaliou a companhia em cerca de US$ 9 bilhões, o modelo foi concebido para preservar a estabilidade administrativa nos primeiros anos de capital aberto. Pelo estatuto original, esse arranjo perderia validade em julho de 2026.
O novo documento submetido aos acionistas prorroga a vigência dessa assimetria até 2036. Caso a alteração seja aprovada, o controle seguirá concentrado principalmente em Kristo Käärmann, cofundador e atual presidente-executivo. Embora detenha menos de 20% do capital econômico, ele controla quase 55% dos direitos de voto graças às ações classe B.
Hinrikus sustenta que a gestão coloca os investidores diante de uma decisão de “tudo ou nada”, sem a chance de apoiar a migração para o mercado norte-americano e, ao mesmo tempo, rejeitar a extensão do supervoto. A Skaala, que possui mais de 15% das ações classe B, acusa a administração de “enterrar” a alteração de governança dentro de uma proposta maior, o que dificultaria a avaliação individual dos itens.
Em resposta, Käärmann reconheceu publicamente as preocupações levantadas, mas reiterou que o processo vem sendo conduzido de forma transparente. Nos documentos enviados ao mercado, a Wise afirma que a existência de classes acionárias diferentes garante à diretoria espaço para executar uma estratégia de longo prazo, muitas vezes capitaneada pelos fundadores, além de proteger a companhia de aquisições hostis ou mudanças bruscas de comando.
A votação exigirá maioria simples entre os detentores de cada classe acionária, além de uma supermaioria equivalente a 75% do valor das ações participantes em cada grupo. Ou seja, mesmo que as ações classe B concentrem votos per capita mais elevados, seus titulares precisarão atingir o mesmo nível mínimo de aprovação exigido dos demais investidores.
Apesar das críticas, a administração afirma que a base acionária demonstra apoio “amplamente favorável” às mudanças. As consultorias de voto Glass Lewis, PIRC e ISS emitiram recomendações a favor da proposta. Segundo esses pareceres, a presença em uma bolsa norte-americana tende a facilitar o acesso da fintech ao maior mercado de capitais do mundo e a ampliar a visibilidade em seu principal território de operação.
A Skaala, por sua vez, informou à agência Reuters que outros acionistas também se posicionaram contra o plano, mas não identificou publicamente quais deles. O grupo pretende continuar mobilizando votos contrários até a assembleia, sem descartar iniciativas formais para separar os itens em pauta.
No pregão da manhã de 22 de julho, data em que as controvérsias vieram a público, as ações da Wise recuavam mais de 1,5% na Bolsa de Londres. O desempenho refletia o aumento das incertezas em torno da governança e do futuro local de negociação dos papéis, além da possibilidade de manutenção prolongada de direitos de voto diferenciados.
Para o mercado, o processo carrega implicações que vão além dos limites da fintech. A eventual saída da Wise da Bolsa de Londres seria mais um revés para o segmento de tecnologia britânico, que já perdeu outras listagens relevantes nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a estrutura dual class poderá influenciar debates mais amplos sobre o equilíbrio entre visão de longo prazo de fundadores e os direitos dos acionistas minoritários em companhias de capital aberto.