Vladimir Safatle relança obra e defende igualdade radical como saída para crise da esquerda

O filósofo e professor da Universidade de São Paulo, Vladimir Safatle, 52 anos, apresenta nesta semana a nova edição de “A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome”. A versão revista retoma o título lançado em 2012, mas amplia o debate ao propor dois eixos para uma reconstrução do campo progressista brasileiro: igualdade radical e soberania popular.
Anedota sobre o BBB e a reforma trabalhista
Safatle abre o livro com um episódio de 2017. Na ocasião, parte da classe média progressista acompanhava a final do “Big Brother Brasil”, enquanto o Congresso aprovava a reforma trabalhista do governo Michel Temer. Para o autor, a simultaneidade ilustra a falta de mobilização diante de perdas de direitos trabalhistas.
Críticas à frente ampla em torno de Lula
No lançamento, o filósofo afirma que a coalizão que sustentou a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022 bloqueou a discussão de medidas estruturais. “Toda frente ampla atua no curto prazo. Passado o perigo imediato, quais pautas aprofundam a igualdade no trabalho? Nenhuma”, declara. Ele entende que o terceiro mandato do petista deixou de reverter retrocessos sofridos pela classe trabalhadora desde 2016.
Bolsonarismo e julgamento no STF
Safatle avalia que o bolsonarismo se consolidou como a maior força política no Legislativo. Para o professor, o eventual julgamento de Jair Bolsonaro (PL) pelo Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe terá peso histórico. “Seria a primeira condenação desse tipo no país. Não é um marco apenas para a esquerda, mas para toda a história brasileira”, afirma. Segundo ele, uma decisão contrária ao ex-presidente poderia abrir espaço para novos programas progressistas na corrida eleitoral.
Igualdade radical e soberania popular
Dois capítulos do livro detalham os conceitos que, na visão do autor, representam o “grau zero” do marxismo. Safatle sustenta que uma sociedade rica permite a redução da jornada de trabalho e critica a ausência de debate sobre autogestão. “É preciso libertar as pessoas do trabalho compulsório”, diz.
Empreendedorismo e identitarismo em debate
Entre as urgências elencadas está o enfrentamento do discurso empreendedor, que, segundo Safatle, transfere responsabilidades sociais para indivíduos. Ele também discute limites do identitarismo. Para o filósofo, a luta de classes corre risco de se fragmentar quando diferenças internas da periferia são ignoradas. Ao mesmo tempo, aponta que empresas costumam adotar comitês de diversidade como resposta superficial a pressões sociais. “Na primeira crise, esses comitês são desmontados”, argumenta.
Arte, estética e indústria cultural
Especialista em filosofia da música e psicanálise, Safatle inclui a cultura no centro do debate político. O autor critica a ausência de questionamento sobre o que é considerado popular e menciona o sertanejo como exemplo de veículo de valores conservadores. “A música sertaneja tornou-se setor avançado de reconstrução ideológica”, afirma, citando artistas como Gusttavo Lima e Ana Castela.
Teologia e coesão popular
O livro retoma ainda as conexões históricas entre soberania nacional e referências teológicas. Para o professor, essa matriz fornece coesão e entusiasmo às massas, elementos que não podem ser ignorados por projetos de transformação social.

Com 111 páginas e preço de R$ 51,90, “A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome” chega às livrarias como tentativa de repensar estratégias políticas após uma década marcada pelas Jornadas de Junho, o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão da extrema direita.
Safatle reconhece que parte das análises feitas em 2012 não resistiu às mudanças dos últimos anos. Daí a decisão de reescrever quase integralmente a obra, buscando adequá-la a um cenário em que, segundo ele, a esquerda precisa “renascer” para voltar a influenciar o futuro do país.
Para quem deseja acompanhar outros temas políticos e suas repercussões, a editoria Política traz cobertura diária sobre o cenário nacional.
O relançamento chega em momento decisivo para as forças progressistas, pressionadas a apresentar um programa que vá além da manutenção da democracia. Safatle, por sua vez, aposta na recuperação de conceitos clássicos para responder a uma conjuntura que, segundo ele, carece de horizonte de transformação.
Com informações de Folha de S.Paulo