Governo Trump libera 240 mil páginas do FBI sobre Martin Luther King e enfrenta resistência da família

O governo dos Estados Unidos tornou públicos, nesta segunda-feira, 21 de julho de 2025, mais de 240 mil páginas de documentos que detalham a vigilância conduzida pelo FBI contra Martin Luther King Jr. A decisão antecipa em quase dois anos o prazo original de sigilo, fixado para 2027, e provocou contestação imediata dos filhos do líder dos direitos civis e da Southern Christian Leadership Conference (SCLC), organização fundada por King em 1957.
Os arquivos foram entregues pelo FBI aos Arquivos Nacionais em 1977 e permaneceram classificados desde então. Segundo o governo, esta é a primeira vez que a maior parte do material foi digitalizada e disponibilizada ao público. A diretora de Inteligência Nacional, Tulsi Gabbard, descreveu a divulgação como “sem precedentes” e elogiou o presidente Donald Trump por impulsionar o processo.
Durante a campanha eleitoral, Trump prometera tornar públicos registros referentes ao assassinato de John F. Kennedy, de 1963. Já na Casa Branca, ampliou o compromisso e assinou ordem executiva que determinou a desclassificação de documentos sobre os assassinatos de Robert F. Kennedy e de Martin Luther King Jr., ambos ocorridos em 1968. Os papéis sobre JFK foram liberados em março, e os referentes a Robert Kennedy, em abril.
A família de Martin Luther King Jr. teve acesso antecipado ao novo acervo e designou equipes próprias para analisar o conteúdo. Em nota conjunta, os filhos Martin Luther King III, de 67 anos, e Bernice King, de 62, pediram que o público examine os documentos “com empatia, cautela e respeito” pela dor familiar. Eles também reiteraram a convicção de que James Earl Ray, condenado pelo assassinato de seu pai, não agiu sozinho e possivelmente nem foi o autor do crime.
King foi morto em 4 de abril de 1968, em Memphis, enquanto apoiava uma greve de garis e direcionava sua atenção para temas econômicos e questões de paz internacional. Ray se declarou culpado em 1969, mas retirou a confissão dias depois e manteve a alegada inocência até morrer, em 1998. A família contesta a versão oficial desde o início. Em 1998, a então procuradora-geral Janet Reno reabriu o caso; o Departamento de Justiça concluiu não haver provas para alterar o veredito. No ano seguinte, um júri civil apontou que o crime resultou de uma conspiração.
A SCLC, presidida por King até sua morte, também se manifestou contra a divulgação prematura. A entidade argumenta que o FBI utilizou métodos ilegais para monitorar o líder e outros ativistas negros, incluindo grampos telefônicos, escutas em quartos de hotel e o uso de informantes. Esses procedimentos faziam parte do programa COINTELPRO, criado para vigiar e enfraquecer movimentos considerados subversivos.
Documentos anteriormente liberados já indicavam que o então diretor do FBI, J. Edgar Hoover, mantinha esforços sistemáticos para desacreditar King. As novas páginas, agora sob escrutínio de pesquisadores, jornalistas e historiadores, devem trazer detalhes adicionais sobre a extensão e a forma dessa vigilância.
Bernice e Martin Luther King III afirmam apoiar a transparência histórica, mas alertam contra qualquer uso dos arquivos para minar o legado do pai. “Ele foi alvo de uma campanha de desinformação e vigilância invasiva”, pontuaram na nota, classificando as ações do FBI como um ataque às liberdades civis de cidadãos que lutavam por justiça.
O Departamento de Justiça solicitou a retirada do sigilo antecipadamente, argumento acatado pelo governo. A administração Trump sustenta que a liberação atende ao interesse público e possibilita um entendimento mais amplo dos eventos que cercaram o assassinato.
Com a abertura do acervo, estudiosos iniciaram a triagem dos documentos em busca de pistas que possam ampliar o conhecimento sobre as operações do FBI e as circunstâncias do crime. Parte do material inclui relatórios de vigilância, memorandos internos e correspondências que cobrem a trajetória de King desde o final dos anos 1950 até poucos dias antes de sua morte.
Entre os pontos de interesse estão os grampos telefônicos autorizados pelo FBI, observações de agentes infiltrados e estratégias destinadas a frustrar a organização de protestos e atos públicos. Especialistas avaliam que o volume de 240 mil páginas exigirá anos de pesquisa para ser examinado na íntegra.
A divulgação reacende debates sobre práticas de monitoramento governamental de movimentos sociais, tema que permanece relevante em discussões contemporâneas sobre privacidade e direitos civis. Ao mesmo tempo, reforça questões jamais plenamente resolvidas sobre a autoria e a motivação do assassinato.
Os filhos de King afirmam que continuarão revisando o material e compartilharão conclusões assim que obtiverem uma compreensão completa do que foi revelado. “Queremos saber se há algo novo além do que já sabemos e aceitamos”, declararam. Enquanto isso, a SCLC planeja analisar os documentos para identificar possíveis violações aos direitos de seus integrantes e avaliar caminhos legais ou institucionais diante das informações agora públicas.