Uso de tornozeleira eletrônica atinge 122 mil pessoas no Brasil; Jair Bolsonaro integra o grupo

Até dezembro do ano passado, 122 mil pessoas estavam submetidas a monitoramento eletrônico no Brasil, de acordo com o relatório mais recente da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), órgão ligado ao Ministério da Justiça. O contingente equivale aproximadamente à população de Barretos, município do interior paulista, e demonstra expansão acelerada do uso de tornozeleiras no sistema penal brasileiro.
O ex-presidente Jair Bolsonaro passou a compor essa estatística em 18 de julho, após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Além do dispositivo de rastreamento, Bolsonaro deverá permanecer em recolhimento domiciliar noturno, das 19h às 7h, e integralmente aos fins de semana, entre outras restrições previstas na mesma ordem judicial.
Segundo a Senappen, o total de equipamentos em operação mais que dobrou em menos de cinco anos. No primeiro semestre de 2020, pouco menos de 52 mil pessoas utilizavam tornozeleira enquanto cumpriam prisão domiciliar. O salto para 122 mil representa incremento de 135% no período analisado.
A distribuição regional do monitoramento revela disparidades significativas. O Paraná concentra o maior número absoluto, com quase 18 mil usuários do dispositivo. Em contraste, São Paulo, estado mais populoso do país, registra apenas 731 monitorados, embora já tenha programas destinados a ampliar a utilização da tecnologia. A diferença expõe distintos critérios de adoção entre os sistemas penitenciários estaduais.
O relatório detalha ainda a situação processual ou o regime de cumprimento de pena dos monitorados. A maioria — 65,6 mil pessoas — encontra-se no regime semiaberto, modalidade que permite saída durante o dia para trabalho ou estudo, desde que haja retorno à unidade prisional para pernoite. Outros 29 mil são presos provisórios, portadores de mandado de prisão preventiva ou temporária, mas sem sentença condenatória definitiva.
Há também 22 mil indivíduos em regime aberto, quando o condenado pode cumprir a pena fora do estabelecimento prisional mediante regras predefinidas, e 4.239 que, embora tenham pena em regime fechado, obtiveram prisão domiciliar por critérios como idade superior a 70 anos, gestação, doença grave ou responsabilidade por filhos pequenos ou com deficiência.
Além dos dispositivos já utilizados, os estados contam com um estoque adicional de mais de 50 mil tornozeleiras, prontas para distribuição conforme novas determinações judiciais. Esse volume sugere planejamento para expansão contínua do monitoramento eletrônico, considerado alternativa de menor custo e menor superlotação em comparação ao encarceramento tradicional.

Imagem: redir.folha.com.br
No caso específico do ex-presidente, a medida cautelar integra ação penal em curso no Supremo que apura suposta trama para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Bolsonaro responde pelos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração de bem tombado.
A Procuradoria-Geral da República solicitou a imposição da tornozeleira ao alegar indícios de risco concreto de fuga e eventuais manobras para obstruir o andamento processual. O ministro Alexandre de Moraes concordou com o pedido e acrescentou as restrições de recolhimento domiciliar, entrega do passaporte dentro de 24 horas e proibição de contato com outros investigados no mesmo processo.
Embora o relatório da Senappen não trate de casos específicos, a inclusão de um ex-chefe de Estado entre os monitorados chama atenção para o alcance do instrumento, utilizado tanto para custodiados provisórios quanto para condenados em diferentes regimes. Para especialistas em gestão penal, a tecnologia oferece ao Judiciário ferramenta de fiscalização em tempo real dos deslocamentos do monitorado, reduzindo custos carcerários e permitindo respostas imediatas a violações das condições impostas.
O crescimento do número de usuários, contudo, suscita desafios de infraestrutura e supervisão. Sistemas de centros de monitoramento, equipes de fiscalização e protocolos de resposta precisam acompanhar a expansão para garantir eficácia. Estados com grande base de monitorados, como o Paraná, já contam com estruturas consolidadas. Outras unidades federativas, caso de São Paulo, revisam políticas para incorporar paulatinamente o dispositivo ao enfrentamento da superlotação carcerária.
Com 122 mil tornozeleiras em uso e outras 50 mil disponíveis, o país consolida o monitoramento eletrônico como componente relevante de seu sistema penal. A tendência sinaliza continuidade da adoção do dispositivo em medidas cautelares, penas alternativas e benefícios de progressão de regime, ao mesmo tempo em que impõe aos gestores a tarefa de equilibrar eficiência, controle e garantia de direitos dos monitorados.