Brasília – O Supremo Tribunal Federal começa nesta terça-feira (2) a julgar o chamado núcleo central da suposta trama golpista que, segundo a acusação, pretendia manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota eleitoral de 2022. Entre os 12 réus está o próprio Bolsonaro. Um dos principais pilares do processo é a colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, cuja validade passou a ser questionada e pode influenciar, mas não derrubar, a ação penal.
O acordo e as controvérsias
Cid firmou o acordo em 9 de setembro de 2023, depois de cumprir quatro meses de prisão preventiva. Nos depoimentos, relatou reuniões, ordens e repasses de recursos que teriam sustentado o plano golpista. Em troca, garantiu benefícios como redução de pena e eventual cumprimento em regime mais brando.
Em março deste ano, áudios divulgados pela imprensa mostraram o militar dizendo a interlocutores que teria sido pressionado pela Polícia Federal a incriminar Bolsonaro. A alegação levou o ministro Alexandre de Moraes a convocá-lo para novo depoimento, no qual Cid confirmou a espontaneidade da colaboração. Em novembro, a PF apontou omissões — entre elas, a ausência de referência ao chamado “Plano Punhal Verde e Amarelo”, que previa atentados contra Lula, Geraldo Alckmin e o próprio Moraes. Depois de novo esclarecimento, Moraes manteve os benefícios.
Durante o interrogatório dos acusados, o ministro Luiz Fux registrou “muita reserva” em relação à delação, citando nove versões diferentes apresentadas por Cid. Apesar disso, Fux acompanhou a maioria do colegiado e defendeu que a validade do acordo seja discutida apenas no julgamento.
Processo continua mesmo sem a delação
Especialistas em direito penal reforçam que eventual anulação do acordo não encerra a ação. Para o criminalista Guilherme Carnelós, mestre em Direito Penal Econômico pela FGV, parte das informações de Cid já foi corroborada por quebras de sigilo, perícias e depoimentos de oficiais de alta patente, como o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e o almirante Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica. “Se as provas independentes se mantêm, o processo segue adiante”, afirmou.
A criminalista Marina Gomes, também especialista pela FGV e mestra pela Universidad de Salamanca, avalia a colaboração de Cid como “acessória”. Segundo ela, relatórios da Polícia Federal e manifestação da Procuradoria-Geral da República indicam que a delação apenas confirmou fatos já demonstrados por outros meios. “Nesse cenário, os réus sofreriam impacto muito baixo caso o acordo fosse anulado”, disse.
Impacto direto recai sobre Cid
Uma eventual invalidação atingiria principalmente o tenente-coronel, que perderia benefícios negociados e ficaria sujeito à pena máxima. Mentiras, omissões ou contradições podem revogar vantagens, mas não anulam automaticamente o conjunto probatório reunido pela investigação.
Estratégia da defesa
A defesa de Bolsonaro e de outros acusados tenta descredibilizar o colaborador. Nas alegações finais, os advogados alegam que Cid foi coagido pela PF e pelo STF, sustentam vício de voluntariedade e apontam mudanças sucessivas de versão. Também lembram precedentes do STF que consideram ilegítimas prisões utilizadas para forçar delações. No caso de Cid, porém, a prisão preventiva foi decretada por suspeita de fraude em certificados de vacinação contra a Covid-19, ação que, segundo investigadores, indicaria risco de fuga.

O julgamento do STF deve durar cerca de duas semanas. Além de Bolsonaro e Cid, outras dez pessoas respondem pelo suposto complô, entre elas ex-ministros, militares e assessores próximos do ex-presidente.
No encerramento da sessão, a Corte avaliará se as provas derivadas da delação permanecerão no processo ou se serão afastadas. A decisão influenciará o rumo do caso, mas, segundo os especialistas, não deve ser suficiente para arquivar a ação contra o ex-mandatário e os demais réus.
Quer acompanhar todos os desdobramentos do caso e outras pautas do Supremo? Visite a seção de notícias e fique por dentro das atualizações.
O julgamento que começa hoje é mais um capítulo na longa disputa jurídica e política em torno do ex-presidente. Siga acompanhando para saber como cada voto dos ministros pode afetar o cenário nacional.
Com informações de InfoMoney