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Startup dos EUA propõe usar fusão nuclear para gerar energia e produzir ouro a partir de mercúrio

São Francisco – A Marathon Fusion, fundada em 2023 na Califórnia, apresentou um projeto que combina geração de energia limpa por fusão nuclear com a produção industrial de ouro. A empresa estima que uma planta de 1 gigawatt (GW) poderia fabricar até 5.000 quilogramas do metal precioso por ano, volume avaliado em cerca de US$ 160 milhões, além de fornecer eletricidade sem emissões de carbono.

Modelo de negócios aliado à pesquisa

Os engenheiros Adam Rutkowski e Kyle Schiller criaram a companhia com foco inicial na resolução de desafios técnicos ligados a reatores de fusão. Desde então, a startup levantou US$ 5,9 milhões em investimentos privados e obteve subsídios do governo norte-americano. Ao adicionar a transmutação de mercúrio em ouro ao escopo do reator, os fundadores pretendem criar uma segunda fonte de receita capaz de acelerar a viabilidade comercial da fusão nuclear.

Como a transmutação é realizada

O processo proposto utiliza a fusão de deuterônio e trítio, reação que libera nêutrons de alta energia. Esses nêutrons atravessam o blanket — camada que envolve o plasma de fusão — e colidem com átomos de mercúrio-198. A colisão caracteriza a reação (n,2n), transformando o mercúrio-198 em mercúrio-197, isótopo instável que decai para ouro-197, a forma estável do metal precioso.

A inovação descrita pela Marathon Fusion inclui a incorporação do mercúrio-198 ao próprio blanket, que já cumpre outras três funções essenciais: captura de calor para geração elétrica, conversão de nêutrons em trítio (combustível do reator) e blindagem das estruturas internas. Segundo a empresa, a inclusão de mercúrio não compromete o desempenho do sistema e ainda contribui para a multiplicação de nêutrons necessária à produção de trítio.

Ganhos econômicos projetados

Cálculos internos indicam que a venda anual de 5.000 kg de ouro poderia duplicar a receita gerada pela eletricidade de uma usina de 1 GW. Para analistas do setor, o potencial adicional de faturamento torna a implantação de reatores de fusão mais atraente para investidores, reduzindo prazos de retorno de capital e, consequentemente, ampliando a competitividade da tecnologia frente a fontes tradicionais.

Desafios científicos e logísticos

Apesar do entusiasmo, a proposta enfrenta barreiras relevantes. O mercúrio-198 representa apenas 10% do mercúrio natural, exigindo um estágio de enriquecimento isotópico. A empresa avalia técnicas como centrifugação gasosa para obter a matéria-prima em escala industrial. Outro ponto crítico refere-se à radioatividade residual: o ouro derivado pode conter vestígios do isótopo intermediário mercúrio-197, necessitando de armazenamento seguro por 14 a 18 anos antes de aplicações em joalheria. Em usos industriais, onde a pureza radiológica é menos rígida, o material poderia ser aproveitado mais cedo.

Opinião do meio acadêmico

Especialistas do Departamento de Energia dos Estados Unidos classificam o conceito como promissor, porém ressaltam que ainda carece de validação experimental. Para o físico de plasma Ahmed Diallo, os fundamentos teóricos são sólidos, mas a eficiência real do ciclo completo — fusão, produção de trítio e transmutação de mercúrio — precisa ser demonstrada em protótipos de longa duração.

Impacto potencial no setor energético

Se comprovada, a tecnologia da Marathon Fusion poderá influenciar o cronograma global de implantação de reatores de fusão, ao combinar produção de energia livre de carbono e geração de um recurso de alto valor comercial. Segundo a empresa, a possibilidade de transformar resíduos de mercúrio em ouro também oferece um benefício ambiental adicional, ao destinar de forma produtiva um elemento tóxico que costuma exigir descarte especializado.

Os próximos passos incluem a construção de um reator de testes, onde a eficiência do processo de superpermeação — método desenvolvido pela startup para extrair trítio do blanket — será avaliada em conjunto com a cadeia de transmutação. A Marathon Fusion não divulgou um cronograma detalhado, mas aponta que os primeiros resultados experimentais devem ser apresentados ao longo dos próximos três anos.

Até lá, investidores e comunidade científica acompanham a evolução de uma iniciativa que, se bem-sucedida, poderá alterar não apenas a matriz energética, mas também o mercado global de metais preciosos ao introduzir a antiga ambição alquímica da produção artificial de ouro como um subproduto de usinas de fusão nuclear.

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