Decisão de Flávio Dino sobre lei Magnitsky expõe bancos brasileiros a dilema entre STF e EUA

Quem: ministro Flávio Dino (STF), ministro Alexandre de Moraes (STF), Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e instituições financeiras brasileiras
O que: Dino limitou a aplicação no Brasil da Lei Magnitsky, norma norte-americana que pune violações de direitos humanos e corrupção. A medida reduz o alcance das sanções impostas pelos EUA a Moraes, mas coloca bancos nacionais diante do risco de desobedecer a ordens de Washington ou do Supremo.
Quando: decisão publicada nesta semana; sanções a Moraes foram anunciadas na segunda-feira (data não especificada no despacho).
Onde: Brasília (STF) e Estados Unidos (autoridades responsáveis pela Magnitsky).
Como funcionam as sanções
Na versão em vigor desde 2016, a Lei Magnitsky permite ao presidente norte-americano e a órgãos como o Departamento do Tesouro bloquear bens localizados nos EUA, proibir a entrada no país e vetar que empresas ou cidadãos americanos ofereçam “fundos, bens ou serviços” aos alvos. Um decreto de 2017 detalhou a proibição de usar o sistema financeiro dos EUA ou realizar transações em dólar.
O texto também prevê sanções secundárias: companhias e pessoas que mantenham relações com sancionados podem pagar multas de até US$ 250 mil na esfera civil e enfrentar processos criminais que chegam a 20 anos de prisão.
Efeitos práticos para Alexandre de Moraes
Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam que, em tese, o ministro do STF não pode utilizar cartões Visa ou Mastercard, nem abrir contas denominadas em dólar. Se o cartão for emitido no Brasil, caberá ao banco decidir pelo bloqueio. O mesmo impasse surge com o salário do magistrado, pago pelo Banco do Brasil (BB), instituição que possui operação nos EUA e, portanto, está sujeita à pressão de Washington.
Instituições de menor porte, sem presença em território norte-americano, poderiam manter contas em reais e transações via Pix para Moraes, mas estariam impedidas de realizar operações em moeda estrangeira. A lógica é semelhante à utilizada em comércio com países sob sanções, como Irã e Venezuela, quando bancos com laços nos EUA evitam a exposição e as transações migram para outras moedas.
Cartões, redes sociais e serviços digitais
Além do sistema financeiro, qualquer empresa sediada nos EUA deve barrar serviços ao sancionado. Isso incluiria cadastros em plataformas como Facebook, Instagram, WhatsApp e Netflix, todos controlados por corporações norte-americanas. Ainda não há confirmação se o acesso de Moraes a esses serviços foi bloqueado.

Decisão do STF e o impasse jurídico
Dino determinou que leis estrangeiras não têm efeito automático no Brasil, ressalvadas decisões de tribunais internacionais reconhecidas pelo país, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A medida contrasta com o Código de Defesa do Consumidor e normas do Banco Central, que exigem oferta de serviços bancários a quem não tenha condenação criminal em solo brasileiro, deixando as instituições “duplamente expostas”, segundo o advogado Ricardo Inglez de Sousa.
Se um banco descumprir a Magnitsky, arrisca perder negócios nos EUA; se ignorar o STF, pode ser multado pela Justiça brasileira. O ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral lembra que cabe ao Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) investigar quem fere as sanções, mas apenas entidades com presença nos EUA estão sob sua jurisdição direta.
Brasil e sanções internacionais
Historicamente, o Brasil adota posição cautelosa: não impõe sanções próprias, mas cumpre resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Desde 2017, por exemplo, o país bloqueia comércio com a Coreia do Norte. Em outras disputas, como a pressão norte-americana contra a Huawei, o governo brasileiro tem mantido relações comerciais sem recorrer ao Judiciário.
Especialistas apontam que o país carece de legislação capaz de blindar empresas nacionais contra punições extraterritoriais. Por ora, a suspensão das penalidades a Moraes depende exclusivamente do presidente dos Estados Unidos, responsável por rever a lista de sancionados quando identifica “mudança significativa de comportamento” ou conclusão de investigações.
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Com informações de InfoMoney