Especialistas apontam que prisão domiciliar de Bolsonaro não deve contar em eventual pena sobre tentativa de golpe

Juristas consultados por diferentes frentes do direito penal entendem que o período em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) permanece em prisão domiciliar, desde 4 de agosto, não tende a ser descontado caso ele seja condenado no processo que investiga sua suposta participação na tentativa de golpe de 2022.
A medida domiciliar foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), dentro de inquérito que apura coação e obstrução de Justiça – investigação distinta daquela que julgará a suposta articulação golpista, cujo julgamento está agendado para 2 de setembro.
Processos separados
De acordo com Telma Rocha Lisowski, professora de direito constitucional do Mackenzie Alphaville, a possibilidade de abater o tempo de restrição domiciliar existe na legislação, mas só se a prisão preventiva ou domiciliar estiver vinculada ao mesmo processo da condenação. “Como se trata de outra ação, o abatimento não se aplica”, afirma.
Opinião semelhante tem o professor Thiago Bottino, da FGV Direito Rio. Para ele, a dedução busca impedir que o réu fique preso além do necessário, contudo “isso vale quando a prisão cautelar está no mesmo processo que chegará à sentença”.
Jurisprudência flexível
Bottino lembra, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já admitiu, em casos específicos, usar o tempo de prisão cautelar para compensar penas em ações distintas, desde que as prisões ocorram de forma concomitante. Mesmo assim, o magistrado destaca que tal entendimento é mais benéfico ao réu e não está previsto expressamente na lei.
Para o advogado criminalista Ricardo Yamin, doutor pela PUC-SP, o fato de Bolsonaro responder à domiciliar por causa de suposta obstrução de Justiça reforça o impedimento ao abatimento. “Estamos diante de outro crime, logo não há correspondência entre as medidas”, diz.
Diego Nunes, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, avalia que o desconto seria admissível somente se o inquérito da obstrução evoluir para ação penal resultando em condenação. Nesse cenário, a domiciliar funcionaria como prisão cautelar dentro do mesmo processo.

Restrições em vigor
Além da tornozeleira, instalada em 18 de julho, Bolsonaro está impedido de receber visitas não autorizadas, usar redes sociais ou manter contato com embaixadores, réus e investigados. A medida busca evitar novos delitos e assegurar a aplicação da lei, conforme prevê o Código de Processo Penal.
No caso da tentativa de golpe, a Procuradoria-Geral da República aponta que a pena pode ultrapassar 40 anos, o que também prolongaria a inelegibilidade do ex-presidente, atualmente vigente até 2030. Se houver pedido de vista durante o julgamento, a decisão pode atrasar, estendendo as medidas cautelares já em curso.
Enquanto isso, mesmo confinado em casa, Bolsonaro acumula tempo sob custódia que, segundo os especialistas, provavelmente não será abatido de eventual condenação relacionada ao plano golpista.
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Com informações de Folha de S.Paulo