Resposta brasileira ao tarifaço de Trump dependerá de análise de comitê e não será imediata

A eventual sobretaxa de 50% anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre produtos brasileiros não desencadeará uma reação automática do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Embora a Lei da Reciprocidade já esteja aprovada e regulamentada, qualquer contramedida exigirá avaliação prévia do recém-criado Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais.
O colegiado, instituído para coordenar retaliações comerciais, é presidido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e conta ainda com representantes da Casa Civil, da Fazenda e das Relações Exteriores. A Secretaria-Executiva do MDIC exerce a função de secretaria-executiva do grupo, responsável por centralizar propostas e solicitar pareceres técnicos.
Dois caminhos para retaliação
O decreto que regulamentou a Lei da Reciprocidade definiu dois tipos de resposta: contramedidas provisórias, consideradas excepcionais e de tramitação mais rápida, e contramedidas ordinárias, com rito mais extenso.
No caso de medidas provisórias, qualquer proposta deve ser encaminhada à secretaria-executiva do comitê. O órgão colhe avaliações dos demais ministérios que integram o colegiado, pode ouvir representantes do setor privado e consultar outros órgãos federais. Se houver consenso, o próprio comitê autoriza a adoção da retaliação e encaminha os procedimentos necessários para a sua aplicação.
As contramedidas provisórias podem ser acionadas em três situações específicas: quando outro país tenta interferir nas escolhas soberanas do Brasil por meio de medidas comerciais ou financeiras; quando há violação de acordos internacionais que prejudique benefícios garantidos ao país; ou quando são impostas barreiras unilaterais baseadas em critérios ambientais mais rigorosos que os parâmetros nacionais.
Já as contramedidas ordinárias seguem caminho diferente. As propostas são direcionadas à Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e passam por prazo maior de elaboração de pareceres. Antes de ir à votação, o texto é submetido a consulta pública. A decisão final cabe ao Conselho Estratégico da Camex, instância superior do sistema de política comercial.
Notificação diplomática obrigatória
Independentemente do tipo de resposta, compete ao Ministério das Relações Exteriores notificar formalmente o parceiro comercial em cada fase do processo. As consultas diplomáticas são conduzidas em coordenação com o MDIC, e relatórios sobre o andamento das negociações devem ser enviados periodicamente ao Comitê-Executivo de Gestão da Camex (Gecex).
Essa estrutura visa assegurar que retaliações sejam compatíveis com as regras internacionais, evitando contestações em organismos multilaterais, ao mesmo tempo em que oferece rapidez quando o governo avalia haver urgência para proteger setores nacionais.
Impactos já registrados em setores exportadores
A mera sinalização do tarifaço provocou incerteza entre empresas brasileiras. Segmentos como carne bovina, frutas, pescados e madeira relatam interrupções na produção, contratos cancelados e embarcações paradas nos portos, diante da dúvida sobre a incidência da sobretaxa sobre cargas já enviadas ou em trânsito. Produtores temem custos adicionais e perda de mercado, enquanto importadores norte-americanos aguardam definição para redirecionar pedidos ou renegociar preços.
Fontes do setor privado estimam que, se confirmada, a tarifa de 50% poderá reduzir drasticamente a competitividade dos produtos brasileiros nos Estados Unidos. Em 2024, as vendas brasileiras para o mercado norte-americano nesses segmentos somaram bilhões de dólares, participação relevante na pauta exportadora do agronegócio e da indústria de base florestal.
Declarações do presidente em Santiago
Durante agenda em Santiago, no Chile, Lula declarou que, se depender dele, a relação com Donald Trump será “a melhor possível”. Apesar do tom conciliador, o Palácio do Planalto reforçou que o Brasil usará os instrumentos de defesa comercial disponíveis caso a tarifa seja oficializada. A posição é compartilhada por técnicos do MDIC, que veem na Lei da Reciprocidade um arcabouço jurídico capaz de amparar ações contra medidas consideradas unilaterais ou discriminatórias.
Próximos passos na área econômica
Enquanto aguarda a definição de Washington, o governo brasileiro mantém a rotina de monitoramento macroeconômico. O Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda programam para os próximos dias a divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do terceiro bimestre, documento que costuma atualizar projeções de arrecadação e espaço fiscal. Técnicos das duas pastas avaliam cenários que incorporam possíveis impactos da medida norte-americana sobre exportações, câmbio e saldo comercial.
Além disso, o MDIC prepara estudos para quantificar o alcance setorial da tarifa e formular alternativas de mercado a empresas que enfrentem barreiras nos Estados Unidos. Uma das possibilidades em discussão é acelerar negociações com outros parceiros que possam absorver a oferta excedente de carne, frutas e madeira, reduzindo a dependência do destino norte-americano.
Embora a Lei da Reciprocidade e sua regulamentação permitam respostas céleres, integrantes do comitê interministerial destacam que qualquer retaliação exigirá base técnica robusta, estimativas de impacto sobre consumidores domésticos e avaliação de riscos de escalada comercial. Nesse contexto, a expectativa é que eventuais contramedidas, provisórias ou ordinárias, sejam adotadas apenas após conclusão de análise detalhada e consulta aos setores envolvidos.
Até que Trump formalize a tarifa de 50%, o governo brasileiro seguirá acompanhando o tema por meio da articulação entre MDIC, Fazenda, Relações Exteriores e Casa Civil, mantendo canais abertos com autoridades norte-americanas na tentativa de evitar a implementação da sobretaxa ou, ao menos, mitigar seus efeitos sobre as exportações nacionais.