Oficiais da ativa e da reserva das Forças Armadas demonstram cautela incomum para comentar o julgamento iniciado na terça-feira (2) pelo Supremo Tribunal Federal. Ouvidos nos últimos dias, militares afirmam temer que declarações públicas possam influenciar o processo ou acentuar a tensão no meio castrense.
Nos bastidores, o tom varia entre resignação e inconformismo. Integrantes da ativa repetem a orientação dos atuais comandantes: aguardar o veredicto e acatar eventual condenação dos oito réus apontados como núcleo central da tentativa de golpe. Mesmo assim, prevalece entre eles o sentimento de “julgamento de cartas marcadas”, crítica recorrente do bolsonarismo à condução do caso na Primeira Turma do STF.
Quem são os acusados
Entre os oito réus, seis são militares. Quatro chegaram ao topo da carreira, com patente de general quatro estrelas:
• Almir Garnier (Marinha)
• Walter Braga Netto (Exército)
• Augusto Heleno (Exército)
• Paulo Sérgio Nogueira (Exército)
Completam o grupo o ex-presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado, e o tenente-coronel Mauro Cid, que firmou acordo de delação premiada.
Reservistas compartilham críticas parecidas, mas externam inconformismo com mais liberdade. Há quem defenda que o caso fosse julgado no plenário completo do STF, alegando hostilidade de ministros como Alexandre de Moraes e proximidade de Flávio Dino e Cristiano Zanin com o governo Lula.
Divergências internas
Em conversas reservadas, um general influente classificou como “absurda” a ideia de Braga Netto liderar qualquer articulação que incluísse Augusto Heleno, argumentando que este último jamais se submeteria ao colega. Ao mesmo tempo, Braga Netto é o que menos conta com apoio entre militares da ativa, sobretudo após a divulgação de mensagens em que, com palavrões, instiga colegas a atacar os então comandantes Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica). O interlocutor das mensagens, o ex-major Aílton Barros, foi expulso da força, o que teria agravado a imagem do general.
Oficiais da ativa enxergam nesses episódios uma “contaminação política” e defendem punição para quem envolve a instituição no debate eleitoral.
Vozes na reserva ganham espaço
Apesar do receio generalizado, alguns militares reformados recorrem às redes sociais para criticar o processo. No domingo (31), o tenente-coronel da reserva da Aeronáutica Flávio Kauffmann promoveu uma live no YouTube com os generais da reserva Marco Aurélio Vieira e Luiz Eduardo Rocha Paiva. O debate abordou “a perfídia de 9 de janeiro”, referência à entrega de manifestantes acampados em frente ao QG do Exército, em Brasília, à Polícia Federal. Kauffmann classificou a operação como “cálculo político” que teria custado a honra da força terrestre.

Os participantes também discutiram limites da obediência militar, o papel das Forças Armadas como possível “poder moderador” e a aproximação dos quartéis com a plataforma conservadora de Jair Bolsonaro.
Críticas a Lula
No início do ano, Kauffmann já havia provocado polêmica em fóruns bolsonaristas ao reagir à queixa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre atraso em aeronave da FAB. O oficial sugeriu que o comandante da Aeronáutica optou pelo silêncio “por educação” e afirmou que integrantes da força não se alinham com “mentirosos” ou simpatizantes de “ditadores ou terroristas”.
Em seu recado, acrescentou que os militares apenas obedecem ao chefe do Executivo por força do regulamento e insinuou que o governo talvez não represente a maioria da sociedade.
Enquanto declarações como essa circulam livremente na reserva, o alto-comando das três forças mantém a ordem de silêncio público. A prioridade, segundo oficiais ouvidos reservadamente, é evitar novos ruídos até a conclusão do julgamento.
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Com informações de Folha de S.Paulo