Megahidrelétrica chinesa impulsiona Vale, mas BTG Pactual vê alta pontual e risco de queda no minério

São Paulo – O início da construção de uma hidrelétrica na região do Tibete, projetada para ser a maior do mundo e estimada em US$ 170 bilhões, elevou os preços internacionais do minério de ferro e do aço e sustentou a alta de 2,7% das ações da Vale (VALE3) no pregão de ontem. Apesar da reação imediata, o BTG Pactual avalia que o impulso não deve se prolongar, pois os fundamentos do mercado permanecem frágeis.
Em relatório distribuído a clientes, o banco aponta que o movimento recente foi alimentado por fluxo especulativo, com investidores cobrindo posições vendidas e buscando oportunidades após a percepção de que as cotações teriam encontrado um piso. Para a instituição, o projeto chinês, embora de grande porte, terá impacto limitado sobre a demanda global de aço e, por consequência, sobre o minério de ferro exportado pelo Brasil.
Estimativas de consumo de aço
Para medir o efeito potencial da obra, analistas do BTG compararam o empreendimento à Usina de Três Gargantas, maior hidrelétrica já concluída na China. Naquele projeto, concluído em cerca de duas décadas, o consumo adicional de aço variou entre 460 mil e 510 mil toneladas. Considerando que a nova usina deverá ter capacidade instalada três vezes maior, o banco calcula necessidade total entre 1,4 milhão e 1,9 milhão de toneladas ao longo de aproximadamente dez anos, o equivalente a 140 mil a 190 mil toneladas anuais.
Esse volume representaria menos de 0,5% da produção anual de aço bruto da China, reforçando a avaliação de que o empreendimento não altera a condição estrutural de excedente no setor siderúrgico chinês. Segundo o BTG, os planos do governo de Pequim para cortar até 50 milhões de toneladas de capacidade são insuficientes diante de um excedente estimado entre 200 milhões e 300 milhões de toneladas. Relatórios anteriores indicam que metas semelhantes, anunciadas em anos passados, raramente foram cumpridas integralmente.
Cenário de sobreoferta persiste
Mesmo após a valorização recente, o minério de ferro mantém-se pouco acima de US$ 104 por tonelada. Para o BTG, essa cotação não reflete a tendência de médio prazo. O banco projeta preços abaixo de US$ 90 por tonelada, citando demanda mais fraca, estoques elevados e novas fontes de suprimento. Entre os fatores de pressão, destaca-se o início previsto das exportações do projeto Simandou, na Guiné, programado para novembro. A mina, considerada uma das maiores reservas de alto teor do mundo, deve acrescentar volume expressivo ao mercado internacional.
Além disso, dados de produção apontam desaceleração interna: a atividade siderúrgica chinesa recuou 9% em junho na comparação anual, mesmo sobre uma base já enfraquecida em 2024. A combinação de queda na produção, exportações robustas e compromissos ambientais tende a manter o mercado de aço em sobreoferta, limitando a capacidade de repasse de preços.
Impacto sobre empresas brasileiras
Nesse contexto, o BTG mantém recomendação cautelosa para mineradoras e siderúrgicas listadas na B3. O relatório reconhece a Vale como empresa eficiente e de baixo custo, mas avalia que a pressão nos preços do minério compromete a geração de caixa e pode restringir o desempenho das ações nos próximos trimestres. Para a siderurgia nacional, a avaliação também é conservadora, com destaque para a exposição de Usiminas e CSN a um mercado global saturado.
A única exceção no universo de cobertura permanece a Gerdau. A companhia apresenta maior diversificação geográfica, com presença significativa nos Estados Unidos, mercado considerado mais equilibrado. O banco, assim, sustenta a estratégia Long Gerdau e Short Usiminas/CSN, prevendo melhor performance relativa da primeira frente às concorrentes domésticas.
Mercados globais e cautela adicional
O ambiente internacional acrescenta elementos de volatilidade. Bolsas europeias amanheceram em queda após resultado fiscal pior que o esperado no Reino Unido, enquanto, na Ásia, investidores monitoram incertezas políticas no Japão. Nos Estados Unidos, temporada de balanços tem vindo acima das expectativas, mas analistas avaliam possíveis sinais de desaceleração no consumo e impactos das tensões comerciais com Washington. Esses fatores aumentam a aversão a risco e podem reduzir o apetite por ativos ligados a commodities, como as ações da Vale.
Combinando todas essas variáveis, o BTG reforça que vê pouco espaço para um rali sustentável no setor de mineração e metalurgia, ainda que manchetes pontuais tragam alívio temporário aos preços. Para o banco, a narrativa dominante continua sendo a sobrecapacidade global, a perspectiva de menor crescimento industrial na China e a expansão de oferta prevista para o segundo semestre. O relatório conclui que, nesse ambiente, a recomendação é manter postura defensiva, privilegiando empresas com maior diversificação e exposição a mercados menos saturados.