Julgamento da trama golpista teve a primeira semana dominada por sustentações orais nas quais advogados recorreram a fortes elogios e referências literárias na tentativa de criar um clima de cordialidade entre a defesa e os ministros do STF.
O tom inusualmente reverente gerou bocejos e comentários irônicos no plenário. Demóstenes Torres, defensor do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, consumiu 21 minutos exaltando o currículo dos magistrados, chamando o ministro Cristiano Zanin de “ídolo” e declarando “profunda admiração” por Cármen Lúcia.
Julgamento da trama golpista: defensores recorrem a elogios
Cezar Bitencourt, que representa Mauro Cid, descreveu Luiz Fux como “amoroso e atraente”. A deferência levou Flávio Dino a brincar que não aceitaria menos. Para a especialista em direito penal da FGV, Luisa Ferreira, o comportamento revela receio: “Eles sabem que o Supremo Tribunal Federal está sob ataques e tentam evitar confronto. Respeito ajuda, ataque prejudica, mas elogio excessivo surte pouco efeito”, avaliou.
Além da exaltação, alguns defensores apostaram no erudito. Andrew Farias, que atua por Paulo Sérgio Nogueira, recitou versos de Fernando Pessoa, Gonçalves Dias e até trechos de “Alice Através do Espelho”, de Lewis Carroll, ilustrando o que a professora Marina Araujo, vice-presidente do IASP, considera desperdício de tempo: “Os ministros são cultos; citar artistas não muda o que está nos autos”.
Para o professor Paulo Ramirez, da ESPM, a estratégia remete ao “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda, conceito que descreve a tentativa de suavizar conflitos por meio do afeto. “Trata-se de eloquência afetiva que busca minimizar uma tentativa de golpe de Estado”, afirmou. O episódio em que Cármen Lúcia interrompeu Paulo Renato Cintra, defensor de Alexandre Ramagem, ao corrigir a confusão entre voto auditável e impresso, mostrou que a cordialidade tem limites.

Entre aplausos aos ministros e citações acadêmicas, a defesa tenta afastar a imagem de hostilidade contra a Corte. No entanto, especialistas apontam que a postura dificilmente influenciará votos, já que os magistrados se concentram nas provas reunidas desde o 8 de janeiro de 2023.
O acompanhamento das próximas sessões indicará se a retórica sentimental seguirá ou se dará lugar a argumentos técnicos. Continue acompanhando a cobertura política em nossa editoria de Política e saiba como cada passo do julgamento impacta o cenário institucional do país.
Crédito da imagem: Luiz Silveira/STF