Brasília – O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), mantém em seu gabinete, desde 2019, Ary Gustavo Soares, caseiro da Fazenda Tapuio, em Serraria (PB), como secretário parlamentar. O funcionário recebe atualmente R$ 7.200 em salários e auxílios pagos pela Câmara.
O cargo de secretário parlamentar exige dedicação exclusiva de 40 horas semanais, conforme legislação e atos internos da Casa. Testemunhas ouvidas em Serraria afirmam, porém, que Ary passa a maior parte da semana na fazenda, localizada a 131 km de João Pessoa e a 225 km de Patos, base eleitoral do deputado.
Atividades na propriedade rural
Ex-funcionários, vizinhos e técnicos agrícolas relataram que o caseiro chega à fazenda no início da semana, dorme na casa principal e retorna a Patos aos fins de semana, onde vive com a família. Antonio da Costa, ex-tratorista demitido em 2023, contou que recebia ordens diretamente de Ary. Costa entrou com ação trabalhista contra a empresa rural de Motta e obteve R$ 18 mil de indenização; Ary atuou como preposto do empregador no processo.
A reportagem esteve na entrada da propriedade na terça-feira (12) e constatou a presença do caseiro poucas horas após sua chegada de Patos. Pelo telefone de uma funcionária identificada como Maria, Ary recusou-se a responder perguntas, alegando que assuntos da fazenda deveriam ser tratados diretamente com o deputado.
Regulamentos da Câmara
Segundo o Ato da Mesa 72/1997, o secretário parlamentar deve prestar serviço “direto e exclusivo” às atividades parlamentares. O site da Câmara proíbe que ocupantes do cargo tenham vínculo com empresas privadas ou exerçam atividades incompatíveis com o horário de trabalho. A Lei 8.112/1990 também veda atividades que conflitem com a função pública.
Apesar de o ponto não ser obrigatório para servidores lotados no estado de origem, o Ato da Mesa 24/2015 estabelece jornada de oito horas diárias. Relatos colhidos em Patos indicam ainda que, nos fins de semana, Ary atua como motorista de Motta na cidade, acumulando tarefas pessoais para o parlamentar.
Verba de gabinete e contratações
Deputados dispõem de R$ 133 mil mensais para contratar até 25 secretários parlamentares, com salários que variam de R$ 1.584,10 a R$ 18.719,88, além de benefícios. Na mesma estrutura política de Motta, parentes de Ary também ocupam cargos públicos: a esposa, Isabella Perônico, trabalha no gabinete de Francisca Motta, avó do deputado, ganhando R$ 14,3 mil mensais; o irmão, André Guedes, é superintendente da PatosPrev, com salário de R$ 13 mil, nomeado pelo prefeito Nabor Wanderley, pai do parlamentar.
Fazenda e empresa familiar
Motta adquiriu a Fazenda Tapuio em março de 2023 por R$ 2,7 milhões. O imóvel está registrado em nome de empresa da esposa e dos filhos do deputado, a Medeiros & Medeiros Ltda., e é a base da Agropecuária Tapuio, que pertence ao próprio parlamentar.
Procurado desde quarta-feira (13), Hugo Motta não se pronunciou sobre a contratação do caseiro no gabinete. Ary Gustavo Soares também não comentou as acusações de incompatibilidade entre suas funções na fazenda e o cargo público.
Os regulamentos da Câmara determinam que qualquer atividade desempenhada por secretários parlamentares deve estar ligada às demandas do mandato, sem atender interesses particulares do deputado. O caso permanece sem explicações do presidente da Câmara.
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Com informações de Folha de S.Paulo
