Fux adota postura independente em julgamento da trama golpista e pode contrariar Moraes no STF

O ministro Luiz Fux tem demonstrado posição distinta da do relator Alexandre de Moraes no julgamento da suposta trama golpista que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros investigados. A postura alimenta a expectativa de que ele atue como contraponto nas etapas finais do processo em análise na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.
Ao longo das sessões, Fux deu ênfase a teses sustentadas pelas defesas, entre elas a discussão sobre o enquadramento jurídico da tentativa de golpe, o tamanho das penas eventualmente aplicáveis e a legitimidade da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, apontado como peça central da acusação da Procuradoria-Geral da República.
Advogados dos réus avaliam que a eventual condenação de Bolsonaro poderá não ser unânime, abrindo margem para novos recursos que retardariam o início do cumprimento de punições. Essa percepção se consolidou quando Fux foi o único integrante do colegiado a votar contra as medidas cautelares que impuseram tornozeleira eletrônica, restrição de deslocamento e proibição de comunicação a Bolsonaro.
Na ocasião, o ministro argumentou que as restrições afetavam de modo desproporcional direitos fundamentais, como a liberdade de locomoção e de expressão, e que não havia demonstração concreta e individualizada dos requisitos legais para adotá-las.
A atuação autônoma também é citada por integrantes da Corte para explicar por que Fux não foi incluído, ao lado de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, na lista de ministros que tiveram vistos para os Estados Unidos revogados pelo governo Donald Trump. Diferentemente dos dois últimos, indicados por Bolsonaro, Fux chegou ao STF em 2011 por nomeação da então presidente Dilma Rousseff.
Assessores, advogados do processo e profissionais que acompanham o caso consideram incomum o envolvimento direto de Fux em todas as fases da ação. Ele compareceu a cada audiência, tomou notas, revisou documentos, ouviu gravações e formulou perguntas detalhadas aos acusados. A Primeira Turma é composta ainda por Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Durante os interrogatórios, Fux enfatizou a diferença entre atos preparatórios e início de execução de um crime, ponto central do debate penal. Conforme o Código Penal, a punição só ocorre a partir da tentativa, quando a execução se inicia e é interrompida por causa alheia à vontade do autor. A defesa de Bolsonaro sustenta que não houve início de execução e, portanto, não se configurou a tentativa de golpe.
No dia em que o colegiado tornou réus Bolsonaro e outros sete investigados, Fux manifestou reservas ao enquadramento aplicado. Para ele, equiparar tentativa a crime consumado “arranha” a Constituição e exige reavaliação pelo Supremo.
A interpretação de Moraes diverge: ao receber a denúncia do terceiro núcleo, o relator afirmou que, em casos de golpe de Estado, a tentativa se confunde com a consumação por atingir a própria ordem constitucional.
As questões formuladas por Fux chamaram a atenção pela amplitude: foram 39 perguntas a sete dos oito réus, 16 delas destinadas a Mauro Cid. O ministro quis saber, por exemplo, se as declarações de militares apontadas pelo delator não seriam apenas “bravatas” e se a chamada “minuta do golpe” chegou a ser assinada por Bolsonaro.
Fux também questionou a legalidade da colaboração premiada de Cid, ressaltando que o militar prestou nove depoimentos, cada um trazendo elementos novos. Sobre a acusação de que o general Braga Netto teria entregue dinheiro numa sacola de vinho para financiar ações golpistas, perguntou se Cid chegou a ver o conteúdo da embalagem.
A linha de interrogatório foi interpretada por defensores como tentativa de delimitar quais atos realmente passaram da esfera da cogitação para a fase de execução. Ao almirante Almir Garnier, por exemplo, o ministro indagou se houvera ordem para que manifestantes deixassem o quartel-general do Exército rumo à Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Na oitiva de Bolsonaro, Fux quis saber se o ex-presidente consultou o Conselho de Defesa Nacional ou o Conselho da República antes de decidir não assinar o documento que previa intervenção militar. A pergunta dialoga com a estratégia defensiva de indicar que qualquer medida dessa natureza dependeria de aval institucional.
A assiduidade de Fux tem sido apontada como símbolo de busca por caminho próprio. A advogada criminalista Flávia Rahal observa que o ministro se preparou como se fosse relator, com perguntas pré-elaboradas e conhecimento minucioso dos autos. Já o professor de direito penal Davi Tangerino considera a participação permanente um prenúncio de divergência com Moraes, embora ainda não seja possível definir em que ponto se dará o eventual voto contrário.
Enquanto o julgamento avança, a expectativa é de que a posição de Fux possa alterar o resultado ou, ao menos, influenciar prazos para cumprimento de futuras decisões. Caso as condenações não sejam unânimes, o processo poderá demandar embargos de declaração e outros recursos internos, prolongando a tramitação no Supremo.