Delegado relata ao STF preocupação de investigados após descoberta de minuta golpista na casa de Anderson Torres

Brasília – O delegado da Polícia Federal Fábio Shor informou ao Supremo Tribunal Federal que integrantes da organização investigada por planejar um golpe de Estado em 2022 demonstraram “muita preocupação” depois que a corporação encontrou, em 12 de janeiro de 2023, uma minuta de decreto na residência do então ministro da Justiça Anderson Torres. O documento previa a decretação de estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral pelo presidente da República à época, Jair Bolsonaro.
Shor depôs na segunda-feira, 21, como testemunha arrolada pelas defesas dos ex-assessores presidenciais Filipe Martins e Marcelo Câmara. Segundo ele, a apreensão do texto e sua divulgação abalaram os principais envolvidos. “Quando a existência da minuta veio a público, Felipe Martins mostrou receio imediato. Bolsonaro repassou o material ao então ajudante de ordens Mauro Cid, que, por sua vez, contatou apenas Marcelo Câmara e Filipe Martins”, relatou o delegado aos ministros.
De acordo com a investigação, o arquivo localizado na casa de Anderson Torres seria a versão mais recente entre as diversas propostas de intervenção analisadas pelo grupo. O achado reforçou a hipótese da PF de que havia um plano coordenado para questionar o resultado do segundo turno das eleições de 2022 e sustentar medidas de exceção contra o TSE.
A existência da minuta se somou a outra frente de atuação apontada pelos investigadores. No depoimento, Shor explicou que o documento estava ligado à ação ajuizada pelo Partido Liberal no Tribunal Superior Eleitoral, ainda em novembro de 2022, com questionamentos sobre o funcionamento das urnas eletrônicas. Segundo ele, a estratégia pretendia “validar, perante a Justiça Eleitoral, informações falsas contidas naquela representação”, utilizando a contestação formal do partido para dar aparência de legalidade às medidas sugeridas no texto apreendido.
Na semana anterior, em 15 de julho, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, confirmou ao STF ter contratado um instituto e ingressado com a ação no TSE após pressão de parlamentares da legenda. A fala de Valdemar foi citada por Shor para reforçar a conexão entre a iniciativa partidária e a minuta golpista.
A condução do inquérito tornou o delegado alvo frequente de críticas de apoiadores do ex-chefe do Executivo. Em agosto de 2024, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro utilizou a tribuna da Câmara para atacar Shor e o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo caso no STF. Na mesma sessão, os deputados Marcel Van Hattem e Gilberto Silva também lançaram acusações contra o delegado e o magistrado.
Interrogado pela defesa de Filipe Martins, Shor abordou a controvérsia sobre uma possível viagem do ex-assessor aos Estados Unidos. Martins ficou seis meses em prisão preventiva por decisão de Moraes, amparada em indícios apresentados pela PF e pela Procuradoria-Geral da República. A principal peça era uma lista de passageiros obtida em arquivos de Mauro Cid, que incluía o nome de Martins no voo presidencial para Orlando, em 30 de dezembro de 2022. No dia 14 deste mês, Cid declarou ao Supremo que a relação final de passageiros não trazia o ex-assessor.
O delegado ressaltou que a presença ou não de Martins no avião não foi determinante para o pedido de prisão. Segundo Shor, a investigação apontou “diversos atos voltados a dificultar a aplicação da lei penal”. Entre eles, o uso de um passaporte que o próprio Martins declarara extraviado em 2021. “Esse mesmo documento registrou entrada nos Estados Unidos na mesma data e local de chegada da comitiva presidencial”, afirmou. Para a PF, esse episódio reforçou a hipótese de tentativa de fuga ou de ocultação de provas.
Ao longo do depoimento, Shor manteve o entendimento de que a minuta encontrada na residência de Torres constitui peça central na articulação golpista, por ter sido elaborada, revisada e mantida em ambiente privado até ser interceptada pela PF. A repercussão interna, descrita pelo delegado como “estado de preocupação intensa”, é interpretada pelos investigadores como indício de que a existência do texto era conhecida e considerada viável pelos principais alvos do inquérito. O processo segue em tramitação no Supremo, que decidirá sobre novas diligências e eventuais julgamentos.