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Decisão de Moraes que impede divulgação de entrevistas de Bolsonaro nas redes gera dúvidas e críticas

A determinação expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em 21 de julho, proibindo a divulgação de entrevistas do ex-presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, provocou questionamentos sobre o alcance da medida. Especialistas consultados por juristas e entidades de imprensa apontam que a redação é imprecisa e pode afetar desde aliados do ex-mandatário até veículos jornalísticos e cidadãos comuns.

A nova ordem foi emitida três dias depois de Moraes impor a Bolsonaro o uso de tornozeleira eletrônica e vetar sua presença nas redes sociais “direta ou por intermédio de terceiros”. Na segunda-feira, o magistrado afirmou que a restrição “inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros”. Ele acrescentou que eventual descumprimento acarretaria a revogação das medidas alternativas e a decretação de prisão.

O veto é uma das cautelares impostas no inquérito que apura a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, em articulações junto ao governo Donald Trump para defesa de sanções a autoridades brasileiras. Para Moraes, manifestações públicas do ex-chefe do Executivo e de Eduardo configuram possível coação no curso do processo.

Apesar de a decisão declarar que seu objetivo é impedir meios de burlar a proibição de uso das redes, juristas divergem sobre quem pode ser responsabilizado. O professor de direito público do Insper, Ivar Hartmann, considera o texto “ambíguo” e afirma que há dois tipos de divulgação: aquela que serviria de instrumento para Bolsonaro contornar a proibição e aquela que não teria esse caráter. Segundo ele, a imprecisão pode estimular autocensura na imprensa e em terceiros receosos de eventuais sanções.

A advogada e professora de direito penal da Fundação Getulio Vargas, Raquel Scalcon, também vê a redação como pouco clara. Para ela, a interpretação mais plausível é a restritiva: somente publicações feitas pelo próprio Bolsonaro ou por perfis que ele instrumentalize estariam vetadas. A especialista sustenta que medidas cautelares devem recair apenas sobre quem é parte do processo e que a responsabilização do ex-presidente exige comprovação de que ele determinou a postagem.

A professora de direito da ESPM, Ana Laura Pereira Barbosa, defende análise caso a caso. Na avaliação dela, a mera reprodução de uma entrevista jornalística não se enquadraria automaticamente como violação, a menos que fique caracterizada tentativa de influenciar decisões judiciais ou obstruir a investigação. Ela ressalta que, diferentemente da proibição de entrevistas imposta ao ex-presidente Lula em 2018—quando já havia condenação—, a medida atual busca prevenir infrações e se limita às plataformas digitais.

Entidades ligadas ao jornalismo também manifestaram preocupação. Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo disse ser favorável à realização de entrevistas de interesse público, mas considerou “pouco claros” os termos que regulam a divulgação de declarações de Bolsonaro.

O texto de Moraes não especifica quem pode sofrer penalidades, o que gera dúvidas sobre eventuais sanções a veículos de comunicação que publicarem trechos de declarações do ex-presidente. Até o momento, o ministro reforçou o entendimento ao ordenar que Bolsonaro prestasse esclarecimentos sobre a exibição da tornozeleira a fotógrafos no Congresso, atitude interpretada como tentativa de transformar o equipamento em peça de comunicação midiática.

No âmbito processual, medidas cautelares podem ser determinadas antes do trânsito em julgado quando há risco de novas infrações ou necessidade de garantir a investigação. A prisão preventiva, considerada mais severa, só é decretada se as alternativas se mostrarem insuficientes. Moraes assinalou que, no caso de Bolsonaro, a multiplicidade de canais digitais poderia ser utilizada para reiterar condutas investigadas, motivo pelo qual vedou o uso de redes sociais.

Para Hartmann, o principal efeito prático da decisão é a incerteza jurídica. Ele entende que, se o Tribunal pretendia impedir apenas mensagens direcionadas pelo ex-presidente, deveria restringir a ordem a perfis sob sua gestão comprovada. Scalcon destaca, por sua vez, o risco de a medida ser interpretada como censura prévia caso alcance um público indeterminado. Ana Laura Barbosa acrescenta que a falta de parâmetros objetivos pode comprometer a liberdade de imprensa e a divulgação de informações de interesse público.

Enquanto a defesa de Jair Bolsonaro não se pronunciou publicamente sobre eventual recurso, o ex-presidente segue obrigado a utilizar a tornozeleira eletrônica e proibido de interagir em redes sociais. A investigação envolvendo Eduardo Bolsonaro continua em tramitação sob sigilo, e eventuais descumprimentos das cautelares podem resultar na prisão preventiva do ex-mandatário.

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