Pesquisa indica alcance limitado do discurso de justiça tributária sobre popularidade de Lula

Uma ofensiva de comunicação do governo federal, centrada na ideia de “justiça tributária”, procurou conter a queda de aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dados recentes da pesquisa Quaest ajudam a medir os resultados dessa estratégia, implementada em meio a outro evento relevante: o aumento de tarifas comerciais decretado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, fator que também influencia o humor do eleitorado.
Segundo a sondagem, 63% dos entrevistados concordam com a afirmação de que “os ricos devem pagar mais impostos para diminuir os impostos dos mais pobres”, enquanto 33% discordam. Por outro lado, 53% consideram equivocada a retórica que opõe “ricos contra pobres”, alegando que ela intensifica conflitos e a polarização no país; 38% veem essa narrativa como correta. Além disso, 56% dos respondentes afirmam não ter ouvido falar da campanha que apresentou a disputa entre “pobres” e “ricos” como eixo de mobilização.
Os números indicam que o impacto da comunicação oficial se concentrou em grupos já alinhados à esquerda, tradicionais apoiadores do governo. Entre os denominados swing voters — eleitores sem vínculos partidários firmes e propensos a mudar de posição — prevalece um comportamento ambíguo: há concordância geral quanto ao princípio de tributar os mais ricos, mas resistência ao método de confrontação empregado na campanha.
A ciência política tem mostrado que políticas tributárias, em si, costumam produzir efeitos eleitorais limitados. A redistribuição de renda é tema central da disputa partidária, porém os instrumentos fiscais tendem a ser percebidos como técnicos e de difícil compreensão para a maior parte da população. Um exemplo citado por analistas é o fato de que a recente “guerra dos pobres contra ricos” foi detonada pelo aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), tributo considerado regressivo porque incide de forma proporcionalmente maior sobre quem ganha menos.
Estudo de Christian Ahrens e Martin Bandau, publicado em 2024 sob o título “The electoral consequences of taxation in OECD countries”, examinou meio século de dados em 30 nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A pesquisa conclui que o efeito político das mudanças tributárias varia segundo o tipo de imposto. Alterações no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) — equivalente ao ICMS e ao IPI no Brasil — não afetam o resultado das urnas, seja para cima ou para baixo. Já modificações no Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF) podem influenciar o desempenho das coalizões no pleito seguinte: aumentos tendem a prejudicar governantes, enquanto reduções ou isenções têm impacto menor e correm o risco de ser esquecidas pelo eleitorado. O trabalho reforça a noção de que há um “viés de negatividade”: perdas percebidas produzem reações mais vigorosas do que ganhos de magnitude igual.
O recurso a uma retórica de confronto social insere-se na prática denominada “democracia agonística”, na qual lideranças buscam sustentar apoio por meio da mobilização constante de antagonismos. Estudos do cientista político Kurt Weyland apontam que, em governos de esquerda, essa tática costuma depender de períodos de folga fiscal. Sem espaço orçamentário, o discurso conflitivo tende a se exaurir, e as instituições democráticas demonstram resiliência. No populismo de direita, o êxito eleitoral se associa mais à gestão de crises específicas, como segurança pública ou imigração, em vez de à redistribuição.
No contexto brasileiro, a ênfase na justiça tributária também desencadeou uma disputa por propostas de alívio fiscal. O histórico recente inclui a ampliação do Auxílio Brasil em 2022, a reformulação do Bolsa Família em 2023 e, agora, a iniciativa do presidente da Câmara, Arthur Lira, de elevar o teto de isenção do IRPF. Esse movimento é descrito por pesquisadores como uma “corrida armamentista” distributiva, na qual diferentes atores políticos tentam oferecer benefícios cada vez maiores ao eleitorado.
Com base nos dados da Quaest e nas evidências internacionais, especialistas avaliam que, embora a defesa de cobrar mais impostos dos mais ricos encontre receptividade em boa parte da sociedade, as controvérsias em torno da narrativa “ricos versus pobres” e a natureza técnica da política tributária limitam seu alcance eleitoral imediato. Assim, a campanha governamental pode reforçar o apoio em segmentos já convencidos, mas enfrenta dificuldade para converter eleitores indecisos ou críticos, sobretudo em contexto econômico ainda marcado por incertezas externas e restrições fiscais internas.