Empresa investigada por fraude mantém contratos de R$ 10,3 milhões com a TCB

A Rodoeste Transporte e Turismo LTDA, apontada pelo Ministério Público de Contas (MPC) como responsável pela apresentação de documento falso para justificar a ocupação de um terreno público em Ceilândia, permanece como uma das principais fornecedoras da Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB). Somente entre janeiro e julho de 2025, a companhia recebeu R$ 10,29 milhões da estatal, segundo registros do Portal da Transparência.
Relatório do MPC classifica a Rodoeste como integrante de um grupo econômico que, em suposto conluio com outras empresas controladas pela mesma família, atuaria para reduzir a competitividade de licitações e garantir sucessivos contratos com a TCB. Apesar dos repasses expressivos, a empresa consta na dívida ativa da União por multas trabalhistas que ultrapassam R$ 45 mil.
A sociedade empresarial tem como sócios Pedro Henrique Veiga de Oliveira e Ana Rosa de Oliveira. Pedro é filho de Ronaldo de Oliveira, condenado por lavagem de dinheiro público, enquanto Ana é mãe de Ronaldo. Outras companhias ligadas ao núcleo familiar mantêm contratos vigentes com a TCB: a Izabely Transportes e Comércio de Alimentos, em nome de Izabely de Paula Costa, nora de Ronaldo, e a Oliveira Transportes e Turismo, pertencente a Soraya Gomes da Cunha, esposa do empresário.
Documento falsificado
No fim de junho, a existência de um ofício supostamente emitido pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab) foi usada pela Rodoeste para justificar a instalação de sua garagem no Parque Pequizeiro, Área Especial 1 do Sol Nascente. A Codhab informou à Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) que o imóvel não pertence à companhia e que nunca foi concedida autorização para ocupação do local. O órgão alertou que qualquer documento apresentado em seu nome é fraudulento e recomendou denúncia imediata à Polícia Civil do Distrito Federal.
Mesmo diante da negativa, a Rodoeste permaneceu no endereço. Oito meses depois, a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) revogou a cessão do terreno e fixou prazo de 90 dias para desocupação, com possibilidade de concessão onerosa de outra área. Seis meses após o término desse período, a empresa ainda utiliza o espaço como estacionamento de ônibus.
Histórico de investigações
A relação da família Oliveira com o transporte coletivo do Distrito Federal é alvo de apurações desde 2018, quando o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) anulou uma licitação da qual a Rodoeste participou, sob suspeita de fraude. Mandados de segurança impetrados pelos advogados do grupo restabeleceram a execução dos contratos.
Na mesma época, a Polícia Civil deflagrou a Operação Trickster para investigar desvios estimados em R$ 1 bilhão no sistema de bilhetagem eletrônica do extinto Transporte Urbano do DF (DFTrans). As diligências resultaram na prisão preventiva de Ronaldo de Oliveira e de Soraya Gomes da Cunha. Por ter filho menor, Soraya firmou acordo judicial e passou a usar tornozeleira eletrônica; Ronaldo fugiu.
Apesar das prisões, as empresas do casal continuaram operando e recebendo recursos públicos. Garagens utilizadas pela frota permaneceram sob vigilância de funcionários e seguranças, mantendo a prestação de serviços à TCB.
Esquema de lavagem de dinheiro
Após a Operação Trickster, a Polícia Civil identificou um esquema que teria movimentado mais de R$ 31 milhões para ocultar a origem dos valores obtidos por meio de fraudes e corrupção. Investigações apontam que o grupo empregou um supermercado de fachada e contas-poupança em nome de laranjas, incluindo filhos menores de idade do casal, para camuflar o capital.
O fluxo começava com o repasse de verbas públicas às contas empresariais, seguido de depósitos em contas-poupança abertas em nome dos familiares. Retiradas diárias eram então direcionadas às empresas, estratégia que visava dificultar bloqueios judiciais e monitoramento das autoridades.
Dentro dessa estrutura, um analista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) teria sido cooptado para repassar informações sigilosas sobre processos envolvendo o grupo. Transferências bancárias identificadas nas investigações apontam pagamento regular ao servidor para defesa dos interesses da organização.
Contratos continuam ativos
Mesmo com as suspeitas de fraude em licitações, denúncias de ocupação irregular de área pública e condenações por lavagem de dinheiro, os contratos da Rodoeste e das demais empresas ligadas aos Oliveira com a TCB permanecem em vigor. Até a última verificação, não havia manifestação oficial da estatal de transportes sobre eventual suspensão ou revisão dos acordos.
A reportagem solicitou posicionamento da TCB e da Rodoeste, mas não obteve resposta.