Brasil se mobiliza diante da ameaça de novas tarifas dos Estados Unidos

O governo brasileiro intensificou a articulação diplomática e econômica após o ex-presidente norte-americano Donald Trump indicar que poderá impor tarifas sobre produtos importados do Brasil. O anúncio, feito na Casa Branca no início de abril, ocorreu numa conjuntura em que Washington também revogou vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), medida interpretada por Brasília como parte de uma pressão política mais ampla.
Até o momento, não há confirmação sobre a data de início nem sobre a lista definitiva de itens que sofreriam sobretaxa. Apesar da indefinição, técnicos do Ministério da Fazenda calculam que a interrupção total das vendas brasileiras aos Estados Unidos — cenário considerado extremo — poderia retirar até 2% do Produto Interno Bruto (PIB), dado o peso desse mercado no conjunto das exportações nacionais.
No curto prazo, a suspensão das remessas tende a ampliar a oferta interna dos mesmos produtos, com possível queda temporária de preços. A tendência, porém, é que os valores voltem a se acomodar à medida que produtores busquem alternativas de escoamento ou adequem seus volumes.
Desde que o assunto veio à tona, o Palácio do Planalto enviou carta com propostas de entendimento à administração norte-americana. Segundo fontes envolvidas nas tratativas, o documento ainda não recebeu resposta formal, enquanto interlocutores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro teriam sido contatados diretamente pelo gabinete de Trump.
A estratégia brasileira concentra-se em três frentes. A primeira é negociar eventuais exceções ou prazos de adaptação para os setores mais vulneráveis, utilizando a investigação comercial aberta pelos Estados Unidos como ponto de partida. A segunda é evitar retaliações imediatas, consideradas arriscadas diante da capacidade de Washington de ampliar sanções. A terceira consiste em mobilizar empresas, veículos de imprensa e grupos de pressão norte-americanos para demonstrar que tarifas adicionais podem provocar aumento de preços ao consumidor local — argumento que já surtiu efeito em decisões anteriores de Trump, segundo diplomatas.
Paralelamente, o Itamaraty começou a sondar governos de outras democracias para que se manifestem contra a iniciativa. A avaliação interna é que, caso a sobretaxa avance sem contestação, medidas semelhantes poderão atingir futuramente as exportações de diferentes países, afetando a previsibilidade do comércio internacional.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços acelerou estudos sobre mercados alternativos. Entre as alternativas em análise estão acordos bilaterais em negociação na Ásia e no Oriente Médio, além do avanço de entendimentos com parceiros latino-americanos e europeus. A leitura é que a conjuntura cria oportunidade para reduzir a dependência histórica em relação ao mercado norte-americano, repetindo movimento que vários países fizeram nas décadas de 1990 e 2000.
Economistas consultados pelo governo observam que, uma vez estabelecidos, fluxos comerciais tendem a se perpetuar. Por esse motivo, a busca de novos destinos poderá reforçar a diversificação da pauta exportadora, mesmo se Washington recuar de última hora — hipótese que não é descartada, dada a tradição de Trump de rever decisões à beira da implementação.
A possível adoção de tarifas reabriu o debate sobre os mecanismos multilaterais de solução de controvérsias. O Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC) está paralisado desde 2019, quando indicações de novos juízes foram bloqueadas pelos Estados Unidos. A situação foi mantida na gestão de Joe Biden, tornando inviável a arbitragem definitiva de disputas tarifárias.
Em resposta, diplomatas brasileiros defendem duas linhas de ação: tentar reativar o sistema da OMC com apoio de outros membros ou, na impossibilidade de superar o veto norte-americano, discutir a criação de um instrumento alternativo com adesão voluntária ampla. Para eles, um arcabouço uniforme de regras é essencial para reduzir incertezas e conter ações unilaterais.
Peso político doméstico também permeia a tensão bilateral. Analistas em Washington e em Brasília relacionam o endurecimento de Trump com divergências internas brasileiras, uma vez que o ex-mandatário norte-americano demonstrou respaldo público a aliados do ex-presidente Bolsonaro e hostilidade a decisões do STF. O Planalto evita comentar o tema, limitando-se a reiterar que a questão é estritamente comercial.
Enquanto aguarda definições em Washington, a equipe econômica monitora semanalmente indicadores de exportação, câmbio e preços internos para calibrar eventuais medidas de apoio. Caso o anúncio se concretize, o governo pretende priorizar linhas de crédito para empresas afetadas, além de intensificar a promoção comercial externa.
Para já, a ordem é manter os canais abertos, buscar diálogo e reforçar a imagem de confiabilidade do Brasil junto a parceiros internacionais. A avaliação predominante é que antecipar medidas de retaliação sem esgotar negociações poderia ampliar perdas e comprometer a construção de soluções de longo prazo.